As obras de reabilitação da casa Manoel de Oliveira terminarão em Março e a sua abertura ao público, enquanto espaço multiusos da Fundação Sindika Dokolo no Porto (Portugal) ocorrerá no segundo semestre do ano. Só falta uma estátua ao genro de Eduardo dos Santos e, é claro, dar o nome do sogro de Sindika Dokolo à Avenida da Boavista.
Vendida há exactamente um ano pela Câmara Municipal do Porto à Fundação Sindika Dokolo em hasta pública, por 1,58 milhões de euros, a casa Manoel de Oliveira – que será a sede da fundação para a Europa – está a ser alvo de obras de recuperação, que “vão terminar em meados de Março”, disse Maria Manuel Guimarães, responsável da fundação no Porto.
“Após concluído o processo da venda do edifício, a Fundação definiu em conjunto com o arquitecto Eduardo Souto Moura [autor do projecto] as obras necessárias para recuperar a casa, que esteve sem ser habitada durante 14 anos e já tinha sido vandalizada”, disse Maria Manuel Guimarães.
Segundo a responsável, quer o exterior como o interior do edifício mantêm-se iguais, “porque a fundação entende que faz todo o sentido manter a linha definida pelo arquitecto, prémio Pritzker”, tendo sido também definido, em colaboração com a autarquia, “adequar o edifício para permitir o acesso de cidadãos com mobilidade reduzida”.
“É também feita uma adaptação que vai garantir segurança a todas as faixas etárias”, designadamente crianças, sublinhou.
Depois de concluída a empreitada, a casa Manoel de Oliveira será inaugurada “como um local multiusos, no segundo semestre do ano, e a Fundação já está a trabalhar na programação”, adiantou Maria Manuel Guimarães.
Segundo a mesma responsável, a exposição inaugural irá “promover a Fundação como intercâmbio cultural entre o Porto, Angola, a Europa e outros países”, prevendo-se uma mostra de “esculturas e outras formas de arte africana”.
“A fundação no Porto trabalha em sintonia com outras extensões da fundação e toda a estratégia é sempre definida e orientada pelo seu presidente, Sindika Dokolo”, concluiu.
Sindika Dokolo, que é casado com Isabel dos Santos, filha de majestade José Eduardo dos Santos (presidente de Angola há37 anos se nunca ter sido nominalmente eleito), afirmou em Fevereiro do ano passado à Lusa, em Angola, querer participar no “enriquecimento da vida cultural” do Porto, com a compra desta casa do cineasta Manoel de Oliveira e com “vários outros projectos” em agenda para a cidade portuguesa.
Na ocasião, em visita a Luanda, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, afirmou que, entre outras valências, o edifício deverá receber uma exposição dedicada à arte Tchokwe – povo originário do interior norte de Angola e sul da República Democrática do Congo -, cuja recuperação está a ser levada a cabo pela Fundação Sindika Dokolo.
Várias peças de arte Tchokwe foram levadas de Angola durante a guerra civil entre 1975 e 2002, estando aquela Fundação a liderar o processo para as fazer regressar ao país, negociando com coleccionadores privados.
A casa Manoel de Oliveira foi idealizada há duas décadas para acolher o espólio do cineasta, mas o acordo entre o realizador e a Câmara do Porto para o uso da casa nunca foi formalizado, o que acabou por condicionar o futuro do imóvel que ficou concluído em 2003, mas nunca teve o uso para que foi pensado.
Depois de ter promovido no Porto, em 2015, a exposição You Love Me, You Love Me Not, a Fundação Sindika Dokolo reforçou a sua ligação à cidade com a compra do imóvel Manoel de Oliveira, situado na Foz.
Rui Moreira esteve, está e estará de parabéns
O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, continua a ser uma das mais proeminente figuras portuguesas na bajulação ao regime de José Eduardo dos Santos e ao seu clã. Para o autarca portuense pouco importa que Angola seja um dos países mais corruptos do mundo e o país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
Chafurdar na bajulação é para muitos políticos portugueses uma questão de vida.
Alguém ouviu Rui Moreira recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a mais alta do mundo?
Alguém ouviu Rui Moreira recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu Rui Moreira recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém ouviu Rui Moreira recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu Rui Moreira dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém ouviu Rui Moreira dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu Rui Moreira dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. Rui Moreira só está interessado nos poucos que têm milhões, tipo Sindika Dokolo a quem atribuiu a medalha de ouro da cidade do Porto, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco… ou nada.
Vale (mesmo) tudo
Recorde-se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito. Só faltará agora dar o nome de José Eduardo dos Santos à Avenida Boavista. Aliás, há muita boa gente a sugerir também que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos Santos…
Na altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a medalha de Mérito Grau Ouro ao dito coleccionador de arte.
Numa atitude de gato escondido com rabo de fora, a vereadora do PS votou favoravelmente esta proposta mas – repare-se – tinha “dúvidas se será suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu património”.
“Existe um regulamento para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláveis benefícios para a cidade. Precisaríamos de mais benefícios para a cidade e para a população para lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista.
Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser genro do presidente no poder desde 1979? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?
Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto laudatório, bajulador e servil da autarquia.
“Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do mundo da arte”, acrescenta o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto.
A justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos, para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repita-se – a de ir patrocinar a apresentação da exposição You Love me, You love me not.
Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo, permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte singular entre a cidade e o mundo”.
Por este andar não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola não é.
Nos negócios, faceta que é muito cara a Rui Moreira, o marido de Isabel dos Santos tem sucesso, mesmo quando as transacções são opacas. Em 2014, a revista Forbes revelou que Isabel dos Santos, através de Sindika Dokolo, em parceria com o Estado angolano, adquirira a joalharia suíça De Grisogono, uma marca conhecida por ter como clientes grandes estrelas mundiais do cinema e da moda, como Sharon Stone e Heidi Klum, num negócio pouco claro, que permitiria a canalização dos diamantes angolanos para aquela joalharia.
Em Novembro de 2013, Rafael Marques de Morais, em entrevista à Deutsche Welle, explicou que “este negócio não envolveu um centavo da família presidencial, é em troca de diamantes angolanos”, frisando que “temos aqui um processo em que os diamantes angolanos estão a beneficiar directamente a família presidencial e não os cofres do Estado”.
É caro que, como diz Rafael Marques de Morais, “a elite angolana, para saquear o país à vontade, precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a forma que encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola”.
E do ponto de vista da Câmara Municipal do Porto, o importante não são os milhões de angolanos que passam fome mas, isso sim, os poucos membros do clã presidencial que têm milhões e que, com isso, tanto compram joalharias, jornais, medalhas ou… lavandarias.